A Lei 30/2021, de 21 de maio, veio estabelecer medidas especiais de contratação pública (MECP) em matéria de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, de habitação e descentralização, de tecnologias de informação e conhecimento, de saúde e apoio social, de execução do Programa de Estabilização Económica e Social e do Plano de Recuperação e Resiliência, de gestão de combustíveis no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) e, ainda, de bens agroalimentares.
Entre as MECP, consta, na secção I, artigo 2.º, alínea c), a possibilidade de iniciar procedimentos de ajuste direto simplificado, nos termos do artigo 128.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), publicado em anexo ao Decreto-lei 18/2008, de 29 de janeiro, na redação atual, quando o valor do contrato for igual ou inferior a 15.000 euros. O valor máximo para este procedimento contratual, no CCP, é de 5.000 euros.
O artigo 17.º, nº 2, da lei 30/2021 dispõe que os contratos celebrados na sequência de quaisquer procedimentos adotados ao abrigo do disposto na secção I, de valor inferior ao fixado no artigo 48.º[1] da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas) de 26 de agosto, devem ser eletronicamente remetidos ao Tribunal de Contas para efeitos de fiscalização concomitante, até 10 dias após a respetiva celebração e acompanhados do respetivo processo administrativo.
Isto significa que contratos de ajuste direto simplificado de valor igual ou inferior a 15.000 euros, celebrados ao abrigo das MECP, estão dispensados das formalidades previstas no artigo 128.º do CCP para esta modalidade, mas não das formalidades previstas na lei 30/2021, que remete para o Tribunal de Contas (TC) a fiscalização concomitante destes contratos.
A fiscalização concomitante[2] é uma das formas de fiscalização do TC e tem as seguintes características:
- ser simultânea à realização do ato, contrato, despesa, projeto ou gerência
- visar que o controlo tenha efeitos preventivos e corretivos
- incidir sobre a legalidade ou boa gestão
- traduzir-se em observações e recomendações constantes de relatórios de auditoria
- poder também conduzir à chamada dos atos a fiscalização prévia ou à efetivação de responsabilidades
Assim, as entidades promotoras de projetos financiados pelo PRR no âmbito do Programa Bairros Saudáveis, que ao abrigo das MECP reguladas pela lei 30/2021 celebrem contratos de ajuste direto simplificado de aquisição de bens móveis e serviços de valor inferior ou igual a 15.000 euros, devem remeter ao Tribunal de Contas todos os dados necessários à fiscalização concomitante desses contratos.
Em caso de apuramento de alguma ilegalidade no âmbito da fiscalização concomitante pelo Tribunal de Contas:
a) Caso a ilegalidade seja apurada antes do início da execução do contrato, deve a entidade adjudicante ser notificada para o submeter a fiscalização prévia[3] e não lhe dar execução antes do visto, sob pena de responsabilidade financeira, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 98/79, de 26 de agosto;
b) Caso já tenha sido iniciada a execução, e mesmo quando o contrato já tenha sido integralmente executado, o relatório de auditoria deve ser remetido ao Ministério Público, para efeitos de efetivação de eventuais responsabilidades financeiras, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto.
O procedimento de remessa ao TC dos documentos contratuais está regulado pela Resolução 5/2021-PG do Tribunal de Contas, de 28 de junho, e implica:
- A submissão dos contratos, por meios eletrónicos, na aplicação informática eContas-MECP, disponibilizada no sítio dos “serviços online” do Tribunal de Contas na Internet, em https://econtas.tcontas.pt/extgdoc/login/login.aspx, no prazo de 10 dias após a sua celebração;
- O prévio registo da entidade no sistema informático de apoio à atividade do Tribunal de Contas;
- O dever de remessa de informação adicional ou da exibição dos originais dos documentos remetidos, sempre que Tribunal o determine, designadamente, no âmbito de auditorias que decida realizar.
Tanto o CCP como as MECP excluem do seu âmbito contratos de trabalho e contratos de arrendamento.
Boa prática recomendada pelo Programa Bairros Saudáveis
Tendo em conta o âmbito da fiscalização concomitante do TC dos ajustes diretos simplificados no quadro das Medidas Especiais de Contratação Pública reguladas pela Lei 30/2021, aconselhamos:
a) o recurso ao ajuste direto simplificado, no quadro geral do CCP, que dispensa quaisquer formalidades, sempre que a despesa tenha valor inferior ou igual a 5.000 euros;
b) uma grande ponderação sobre qual o melhor caminho a seguir na aquisição de bens móveis ou serviços de valor superior a 5.000 euros mas igual ou inferior a 15.000 euros: se o ajuste direto regra geral, no quadro do CCP, com um convite, uma proposta e publicitação no portal BASE, sem mais; se o ajuste direto simplificado ao abrigo da lei 30/2021, com submissão obrigatória de toda a documentação no portal do TC e possível fiscalização concomitante por parte desta entidade.
[1] O valor a que se refere este artigo é de 750 000 euros (sem IVA), ou de 950 000 euros se se tratar de atos e contratos relacionados entre si. Acima destes valores, os atos e contratos ficam sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. Abaixo desses valores, ficam sujeitos, caso optem por se enquadrar nas MEPC, à fiscalização concomitante.
[2] Fonte: https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/a_funcao_de_controlo_do_tc.pdf
[3] A fiscalização prévia do TC é anterior à realização da despesa e visa o controlo preventivo da legalidade financeira do Estado. Incide apenas sobre contratos de significativa relevância financeira. Traduz-se na concessão ou recusa de visto. Fonte: https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/a_funcao_de_controlo_do_tc.pdf